Eusébio vs Figo

on Saturday, December 30, 2006

Nos primeiros 20 anos da minha vida (e tenho 30 neste momento), muita gente tentou, e até conseguiu, impingir-me a ideia de que um português, se fosse ao estrangeiro e dissesse de onde vinha, logo era confrontado com os nomes Eusébio e Amália. Segundo essas pessoas (muitas das quais nunca tinham saído de Portugal ou não saíam há muitos anos), só estes dois eram os portugueses conhecidos mundialmente, mais ninguém. Felizmente muito mudou nos últimos 10 anos: viajei mais que nos primeiros 20, surgiu a TV Cabo, surgiu a Internet, passei a consumir alguma Imprensa estrangeira. E hoje, como todos sabemos, felizmente, já há muitos portugueses conhecidos no mundo, incluindo nas áreas em que se distinguiram os dois acima citados. A questão é saber se surgiu algum melhor que eles, ou não. Em relação a Amália não me sinto habilitado a falar, pois não gramo fado, por isso se me dissessem que ela cantava mal, eu acreditava. Já sobre Eusébio tenho a minha opinião, que aqui já expressei: Figo, no mínimo, chegou ao seu nível e Cristiano Ronaldo tem tudo para ultrapassá-lo. Mas claro que esta é uma ideia difícil de ser difundida em Portugal, país iminentemente benfiquista, país muito conservador, país de fés, crenças e superstições, país que teve uma das mais longas ditaduras da História, país de salvadores da pátria, país com os níveis de alfabetização mais atrasados do mundo ocidental. Mas, pela primeira vez, não resisto a responder a uma posta de um meu colega de blog. No fundo, a posta dele também foi uma resposta a outras postas. O debate é sempre estimulante.

Em primeiro lugar, Figo afinal não vai ser reforço do tal clube saudita, segundo acabo de ler, pois renovou por mais um ano com o Inter. Deve ter sido um favor que o Moratti me fez, só para te contrariar ;-) Dizes que o Figo só foi indiscutível em Barcelona e nos primeiros tempos de Madrid. É peta, como sabes. Nos 10 anos que esteve em Espanha, só não foi indiscutível nos últimos meses no Real, com Vanderlei Luxemburgo, que, como sabes, não durou muito mais no Bernabéu. Figo foi o primeiro galáctico a sair, o que acaba por ser normal, pois também foi o primeiro a chegar. Desde que começou a jogar no Sporting, em 1991/92, só uma vez Figo fez menos de 30 jogos no campeonato. Foi na segunda época de Madrid, em 2001/02, onde fez 29. Como te lembras, foi a época da grave lesão dele, que o impediu de estar a 100% no Mundial. Mesmo na última época de merengue fez 33 jogos. No Inter fez 34 jogos na época passada e já leva 15 nesta, em 18 jornadas. Já não é sempre titular, mas o que exigir a um jogador de 34 anos num clube que joga campeonato, taça e Liga dos Campeões? Comparar esta prestação à de Rui Costa no Milan só se entende num plano humorístico. O maestro, príncipe, mágico, que jogou cinco anos de “rossonero”, entre os 29 e os 34, ou seja, ainda numa fase pujante da sua carreira, nunca fez mais de 27 jogos no campeonato, o que aconteceu em 2003/04. E quase sempre como suplente de Kaká, como se sabe. Portanto, comparação infeliz.

Em relação a Eusébio, nunca saberemos o que ele faria numa carreira internacional. Saiu do Benfica em 1975, após 15 anos, e em três anos jogou em oito clubes (!) de quatro países diferentes (EUA, México, Canadá e Portugal - Beira-Mar e União de Tomar). Espero sinceramente que Figo não se arraste desta maneira. Quando dizes que o King Pantera Negra ficou na Luz por estar num colosso mundial estás a ser meio irónico. O próprio já reconheceu que gostava de ter podido jogar no Inter, quando teve oportunidade, mas alguém não o permitiu. Claro que na altura não havia tantas transferências internacionais, mas havia algumas. Os nomes que citaste, Beckenbauer, Meazza, Pelé e Garrincha jogaram sempre nos seus países porque estavam nos melhores campeonatos do mundo, algo que Portugal nunca foi, como se sabe. Mesmo o campeonato brasileiro era uma coisa à parte, como mostrou o Santos de Pelé quando despachou o Benfica de Eusébio, por 5-2, em plena Luz, para a Taça Intercontinental. Já com Di Stéfano falhaste. Ele nasceu na Argentina, começou a jogar por lá, passou ainda pela Colômbia e só depois estacionou no Real Madrid. Aliás, chegou a ser internacional pelos três países, o que seria impossível hoje em dia.

Quanto aos títulos conquistados, tens razão. Não é só por eles que se vê a categoria de um jogador. Senão Nalitzis seria mais idolatrado que Balakov, no Sporting, enquanto Preud’homme seria um fiasco ao pé de Quim, no Benfica. Mas erras quando dizes que Eusébio tem mais títulos que Figo. Segundo a Wikipedia, versão inglesa, estes são os números dos dois:

Eusébio (19 títulos): Campeonato Português (11), Taça de Portugal (5), Taça dos Campeões (1), Campeonato Mexicano (1), Campeonato dos EUA (1).

Figo (20 títulos): Taça de Portugal (1), Campeonato Espanhol (4), Taça de Espanha (2), Supertaça Espanhola (3), Taça das Taças (1), Supertaça Europeia (2), Liga dos Campeões (1), Taça Intercontinental (1), Campeonato Italiano (1), Taça de Itália (1), Supertaça Italiana (2), Mundial de sub-20 (1).

Se Eusébio vai ficar por aqui, Figo ainda pode juntar mais uns títulos à sua colecção, com mais um ano e meio de contrato com o Inter.

Na selecção, pelo menos, admites a superioridade de Figo. Eusébio, em 15 anos ao mais alto nível, não conseguiu mais do que participar num Mundial, em 1966. Figo já leva dois Mundiais (2002 e 2006) e três Europeus (1996, 2000 e 2004). Eusébio ficou em 3º no Mundial e foi o melhor marcador, Figo foi 4º num Mundial e 2º num Europeu. Não há muito a contestar. Podemos argumentar que antes era mais difícil conseguir o apuramento, mas se Eusébio era um deus do futebol, tinha obrigação de ultrapassar isso. Maradona não levou, praticamente sozinho, a Argentina a duas finais do Mundial? Quanto à importância de Figo na equipa, estás a ser cruel. Tirando o Mundial 2002, onde ele não estava em grandes condições, como se sabe, foi sempre dos melhores jogadores da selecção. Pegares nos golos também não serve. Eusébio, como se sabe, não sendo um ponta-de-lança, era aquilo a que hoje se chama um “nove e meio”, isto é, joga a meio caminho entre o nº9 e o nº10. Figo é um extremo. E enquanto Eusébio defrontava 2, 3, no máximo 4 defesas, Figo defronta 4, 5, mais 1 ou 2 trincos. Mesmo assim o “Pastilhas” já leva 89 golos só em campeonatos e 32 golos na selecção. Juntando outras provas serão uns 140 golos oficiais. É mau, para um extremo?

A nível individual, Eusébio ganhou a “Bola de Ouro” da “France Football” em 1965 e Figo em 2000. Figo ganhou o prémio da FIFA para melhor jogador do mundo em 2001 e Eusébio nunca ganhou, nem podia, pois ele só existe desde 1991. Eusébio foi o melhor marcador do Mundial de 1966, coisa que Figo nunca conseguiu, pelas razões posicionais já descritas. Mas em compensação foi eleito pela UEFA o MVP do Euro 2000. Em resumo, neste aspecto, de galardões individuais, estão ao mesmo nível.

Resta um argumento. Figo terá tido mais êxitos na selecção porque estava integrado numa geração melhor. Se assim for, também aqui me enganaram durante estes anos todos. Sempre me venderam a ideia de que Costa Pereira, Germano, Coluna, José Augusto, Simões, José Torres e outros eram fantásticos jogadores de futebol, de classe internacional. Afinal não era assim? Então como se explica a primeira Taça dos Campeões do Benfica, ganha sem a participação de Eusébio?

Eusébio foi grande, mas já não é a grande referência do futebol português lá fora, por muito que isso custe a todo o mundo lampião. Figo e Ronaldo já merecem essa distinção. E ainda bem, digo eu, mal seria do futebol português se continuasse a viver de um jogador dos anos 60. O futebol húngaro ainda vive de Puskas e sabe-se a que nível eles estão, não é? Ainda há poucos meses conseguiram perder em Malta. Quanto à comparação basquetebolística que fizeste, não tenho resposta, pois não sou grande fã da bola ao cesto. Mas posso usar o ciclismo. Depois do que Lance Armstrong fez nos últimos anos, e confiando que não foi por ajudas químicas, ainda é possível dizer que Eddie Merckx foi o melhor de sempre?

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