É indiscutível: José Mourinho trouxe muito ao futebol português. Mas não só a nível de títulos. Desde que o treinador setubalense chegou ao FC Porto e desatou a ganhar troféus, depois de passagens promissoras por Benfica e União de Leiria, muitos dos agentes do futebol português (dirigentes e jornalistas, acima de todos) desataram à procura do novo Mourinho. Para tal traçaram um perfil: passado nulo ou discreto enquanto jogador e estudos universitários na área do desporto, especialmente do futebol. De um momento para o outro, o “Modelo Vítor Manuel” (como eu gosto de chamar aos treinadores da velha guarda), com técnicos com passado enquanto jogador e com saber feito de experiência, de preferência acompanhados por um farfalhudo bigode (até isto se está a perder, com muita pena minha), passaram a estar fora de moda.
No entanto, o despedimento, no espaço de uma semana, de José Peseiro e de Carlos Carvalhal de dois dos maiores clubes nacionais, mostra que nada é linear, muito menos no futebol. Peseiro e Carvalhal são precisamente dois dos treinadores dos quais se esperava que dessem continuidade ao sucesso de Big Jose (assim mesmo, sem acento, coisa que os ingleses desconhecem). Os dois começaram a carreira de forma discreta: Carvalhal passou por Espinho, Freamunde, Vizela e Aves e Peseiro por U. Santarém, U. Montemor e Oriental. E os dois começaram a dar nas vistas em clubes de escalões secundários: Carvalhal conseguiu subir de divisão com Leixões e V. Setúbal e Peseiro com o Nacional, além de ter passado, sem sucesso, pelo Real Madrid, como adjunto de Carlos Queiroz.

Ambos os dois, como diria o outro, tiveram a sua grande oportunidade na mesma altura, início da época 2004/05. Carvalhal no Belenenses e Peseiro no Sporting. Ambos os dois saíram sem honra nem glória, depois de falhados os seus projectos. Peseiro tinha como objectivo o título nacional e a vitória na Taça UEFA, que tinha a final marcada para Alvalade. Apesar de alguns tropeços pelo caminho, lá conseguiu chegar à semana decisiva com hipótese de cortar as metas na frente. Como se sabe, não conseguiu mais que um segundo lugar, na UEFA, e um terceiro, na Superliga. Esta época tudo correu mal, falhando logo dois dos quatro objectivos do Sporting e colocando outro (a Liga) em causa. Carvalhal teve um percurso parecido no Restelo. Os objectivos, sendo mais modestos, naturalmente, eram, ainda assim, ambiciosos. Classificação europeia e Taça de Portugal eram os sonhos a atingir. Como é sabido, nem um nem outro ficaram sequer perto de acontecer. Esta época, com um plantel reforçado, as expectativas eram ainda maiores. Depois de cinco derrotas consecutivas, uma das quais significou a eliminação da Taça, Carvalhal não tinha condições para continuar. Não deixa de ser irónico que o ex-defesa do Sporting de Braga tenha trocado Setúbal pelo Restelo devido à sua ambição de ganhar troféus e disputar provas europeias. Teve azar, o Vitória ganhou a Taça e foi à UEFA. Falta de paciência, às vezes, dá nisto, Carlos... (Claro que o Vitória está com a corda na garganta, mas mais uma Taça no museu e uma viagem a Itália já ninguém lhe tira).

Significará isto o fim da busca do Santo Graalinho (trocadilho idiota entre Santo Graal e Mourinho)? Será que falar em pressão alta, processo defensivo, processo ofensivo e periodização táctica chega para se ser um bom treinador? E Carvalhal e Peseiro são apenas os casos mais mediáticos. O que é feito de outros teóricos do futebol, como Luís Campos, Vítor Pontes e José Couceiro? Todos podem ser muito bons técnicos (no sentido de dominarem a técnica de treino), mas serão bons treinadores? Ou Mourinho terá algo mais: modo como motiva os jogadores, como estuda todos os pormenores dos adversários, como usa a imprensa para passar a mensagem que lhe interessa... Há que perceber que génios aparecem quando calha e o mais que se pode fazer é colher ensinamentos deles, nunca imitá-los.

Já que falo de treinadores, faço aqui a minha homenagem pessoal a um dos meus técnicos-modelo. Ele já está na História do Futebol, apesar de fora das fronteiras dos países onde trabalhou não lhe ser dado grande valor. No fundo, para mim, ele é um Mourinho (não um sucessor, mas um antecessor, visto que anda nisto há mais de 30 anos). Não tem os estudos do treinador do Chelsea, mas em termos de motivação e agregação do grupo não lhe fica a dever nada. Chama-se Otto Rehhagel, actual seleccionador grego. Antes de rumar para o sudeste europeu, König Otto tinha feito trabalhos memoráveis em clubes de segunda linha do futebol alemão. No Werder Bremen, foi duas vezes campeão alemão (antes dele o clube só tinha um título), ganhou a Taça e a Taça das Taças, único título europeu do clube. No Kaiserslautern foi, em épocas consecutivas, campeão da II e da I Divisão alemães, algo de inédito naquele país e, possivelmente, no resto do Mundo. O único falhanço como treinador aconteceu, pasme-se, no Bayern Munique. Para curar a tristeza, assumiu o comando da selecção grega e foi o que se viu. Curiosamente, durante e após o Euro, muitos jornalistas portugueses acusaram-no do mesmo que José Mourinho tem sido acusado em Inglaterra: por um lado, muita arrogância, por outro, a sua equipa jogava um futebol nada atraente. Para mim, a Grécia mereceu inteiramente ganhar o Euro: uma equipa que vence Portugal (duas vezes), França e República Checa e empata com a Espanha (de quem tinha ficado à frente já na fase de qualificação) merece os maiores elogios. Não jogava um futebol tão atraente como Portugal, Rep. Checa ou Holanda? Pois não, se tentasse jogar teria perdido todos os jogos da primeira fase. Não nos esqueçamos que, entre 16 selecções, a Grécia era considerada a 15ª melhor (apenas a Letónia tinha menos prestígio). Para não falar nos ovos e nas omeletas, digo que com tremoços não se faz um arroz de marisco (tirando, claro, o Eusébio). Tal como Mourinho, Rehhagel sentiu na pele a inveja que provoca a extrema competência. Tal como Mourinho, deve ser para o lado que Otto dorme melhor...
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